USUCAPIÃO - A dignidade da família em conseguir a escritura de sua casa


Por vezes nos deparamos com comentários negativos quando o assunto é Usucapião, já que, erroneamente, está ligado à ideia de invasão de terras, esbulho, etc.  Todavia, o Instituto de Usucapião pode ser utilizado em inúmeras situações com o fito de regularização de documentação, por isso, se faz importante entender onde se aplica. 

Antes de adentramos ao assunto, é importante destacar os conceitos de propriedade, posse e detenção, onde: 

Propriedade é o exercício do direito de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. Exemplo: aquele que compra um imóvel e efetua a devida transferência para seu nome, registrando a escritura e a averbação no cartório de imóveis, restando-lhe pleno direito de dispor do bem da maneira que lhe aprouver. 

Posse: representa o exercício de fato pleno ou não de um dos poderes da propriedade, basta que o possuidor haja como se fosse dono da coisa para receber o status de possuidor. Posse divide-se em: 

Posse de boa-fé: o possuidor desconhece os vícios 

Posse de má-fé: o possuidor sabe que a posse é injusta Exemplo de posse: se dá em situações em que a compra do imóvel é realizada por meio de um “contrato de gaveta”, sem a devida transferência do bem. 

Diz-se de boa-fé aquele que possui acreditando que o negócio jurídico foi legal, apto à torna-lo proprietário, enquanto que, tem má-fé aquele que realiza o negócio consciente de que nele há vícios. 

Detenção: é caracterizada na situação em que alguém conserva a posse em nome de outro e em cumprimento às suas ordens e instruções. Exemplo: caseiro, locatário. 

Adquirido o conhecimentos dos conceitos acima, podemos entender melhor o instituto da Usucapião:

 Usucapião é uma forma de aquisição da propriedade de bem móvel ou imóvel, não pela compra ou sucessão, mas pela posse prolongada. Assim, aquele que possui como seu um bem por longo período sem nenhum questionamento, pode requerer a propriedade por meio de uma ação de usucapião. 

A Usucapião é também conceituada como Prescrição Aquisitiva. A Prescrição é um efeito do tempo no direito, sendo que a Prescrição que estamos habituados é prescrição extintiva, onde se perde um direito, enquanto a Prescrição aquisitiva ganha-se um direito, o direito de propriedade. 

Diz-se que a aquisição é originária, pois com a aquisição da propriedade por Usucapião é como se aquele imóvel passasse a existir a partir dali, todos os registros e averbações anteriores deixam de existir, inclusive ônus deixado por antigo proprietário. Vale ressaltar que dívidas de obrigação do imóvel, como IPTU, persistem, já que estas são obrigações propter rem - por causa da coisa - assim a obrigação segue, independentemente da forma de aquisição. 

Existem várias espécies de Usucapião, nas quais variam as exigências ou requisitos, sendo que temos Usucapião que pode ser requerida a partir de 2 anos, até aquela que exige 15 anos de posse ininterrupta. 

Alguns requisitos são comum em todas as espécies, são eles: posse mansa, pacífica e ininterrupta e o animus domini, que é a intenção de ser dono, ou seja, possuir o imóvel como se dono fosse. 

Desta forma, são descartadas todas as hipóteses em que haja contrato de aluguel, comodato, etc. É importante destacar que não são todas as espécies que exigem a posse de boa-fé.  O requisito tempo se sobrepõe aos demais. Assim, quanto maior o tempo, menos requisitos a atender. 

A função social do imóvel é a regra máxima da usucapião em qualquer espécie. 

Dentre as espécies mais utilizadas, podemos começar falando da Usucapião Familiar, que é a espécie mais nova, foi trazida pelo novo CPC em 2015, está garantida no artigo 1240-A do Código Civil.  

Na Usucapião Familiar aquele que permanecer na posse do imóvel por 2 anos após ser abandonado pelo cônjuge ou companheiro, poderá requerer para si a parte daquele que abandonou. Essa posse deverá ser ininterrupta, exclusiva e pacífica. O requerente terá de utilizar o imóvel para sua moradia e não pode ser proprietário de outro imóvel. Para se enquadrar nessa espécie de usucapião é necessário que o imóvel seja de propriedade de ambos os cônjuges/companheiros, devendo ter no máximo 250 metros quadrados. Ainda, deve haver o abandono financeiro e intelectual, sendo que qualquer prestação de ajuda ou contato é capaz de descaracterizar o abandono. 

Usucapião Constitucional ou Especial Urbana - também conceituada como pro mísero ou pro moradia. Está garantida no artigo 1240 do Código Civil e 183 da Constituição Federal. Esta espécie é uma das formas que o Estado encontrou para minimizar a desigualdade social com relação à moradia, privilegiando aquele que exerce a função social da propriedade. Nesse caso, a propriedade não poderá exceder 250 metros, o requerente não poderá possuir outros imóveis. O imóvel deverá estar em área urbana, e a posse deve ser pacífica, de boa-fé e ininterrupta por 5 anos. 

Usucapião Especial Rural: está previsto no artigo 1239 do Código Civil e artigo 191 da Constituição Federal que todo aquele que não sendo proprietário rural nem urbano, ocupar por 10 anos ininterruptos, sem oposição nem reconhecimento de domínio alheio, tornando-o produtivo por seu trabalho e tendo nele sua morada adquirirá o domínio. O prazo será reduzido para 5 anos nos casos em que o imóvel tiver até 50 hectares. Atualmente esta espécie é pouco usual, já que a agricultura familiar se tornou mais rara. 

Usucapião Ordinária, artigo 1242 do Código Civil. Neste caso, a posse deverá ser ininterrupta, incontestada e de boa-fé. Aqui, o diferencial é a presença de justo título - pode ser um contrato de compra e venda, doação, cessão de direitos hereditários, acordo, entre outros. O prazo para requerer a Usucapião Ordinária é de 10 anos, mas o parágrafo único do artigo 1242 traz uma hipótese especial de redução do lapso temporal para 5 anos. Essa aquisição com o prazo reduzido é conceituada como Usucapião Tabular. A redação do parágrafo único diz: “será de cinco anos o prazo estabelecido neste artigo se o imóvel tiver sido adquirido onerosamente com base no registro constante do respectivo cartório cancelada posteriormente.” Todavia, cabe aqui uma ressalva, onde consideramos que a palavra “registro” poderia ser substituída por “averbação”. Assim, temos que, a averbação do título na matrícula do imóvel, ainda que cancelada, enseja a diminuição do lapso temporal de 10 para 5 anos, desde que o imóvel seja utilizado para moradia do requerente ou que nele tenha realizado obras de melhoria ou algum investimento.

 Usucapião Extraordinária: previsto no artigo 1238 do Código Civil, exige posse ininterrupta e sem oposição por 15 anos. Nesse caso, não há exigência da boa-fé, nem tampouco de qualquer justo título. O requerente pode ser proprietário de outros imóveis e, ainda, na hipótese de usar o imóvel para sua moradia ou nele realizado obras de melhoria o prazo cai para 10 anos.

 Usucapião Coletivo: essa é a espécie com maior proteção da moradia. Não há individualidade, mas sim um conjunto de pessoas. Aplica-se a núcleos urbanos sem oposição há mais de 10 anos. A área não poderá ultrapassar 250 m por possuidor e este não poderá ser proprietário de outro imóvel. É utilizado em casos de favelas, comunidades assentadas em grandes área irregularmente. É feito com participação da Prefeitura, Ministério Público e Fazendas. 

A Usucapião pode ser realizada extrajudicialmente, mas só é cabível em situações em que não há menores envolvidos e nenhum litígio ou discordância entre as partes. Ademais, as despesas de cartório, por vezes obsta a realização do procedimento pela via extrajudicial, pois, apesar de ser mais célere, exige despesa maior. 

A ação judicial deverá ser distribuída no foro da Comarca onde está localizado o imóvel, e deverá ser instruída com todos os documentos comprobatórios da posse, conforme as peculiaridades da espécie, bem como com memorial descritivo e planta do imóvel. 

  Usucapião é muito mais do que regularizar o imóvel. Entregar a escritura registrada ao cliente é verdadeiramente resgatar a dignidade da família!